Estreia espetáculo “ZuZus”, inspirado em Zuzu Angel, na Funarte MG
Com orientação dramatúrgica de Rita Clemente, o trabalho aborda, a partir da linguagem da dança, o legado deixado pela estilista conhecida internacionalmente por utilizar a moda como instrumento de denúncia.
No dia 18 de novembro, terça-feira, estreia o espetáculo “ZuZus” – novo trabalho do ajuntamento Mulheres na Dança, formado pelas bailarinas Marcia Neves, Marise Dinis, Flavi Lopes e Gabriela Christófaro, sob a orientação dramatúrgica da diretora e atriz Rita Clemente. Em cena, cerca de 250 peças de roupa, associadas ao gestos e movimentação das bailarinas no palco, recontam os passos da estilista que, após a morte do filho pelos militares, nos anos 70, usa a moda para denunciar, nas passarelas do mundo, a violência dos anos de chumbo, no Brasil. O espetáculo faz curta temporada na Funarte MG, com apresentações nos dias 18 e 19/10, terça e quarta, sempre às 20h. No primeiro dia, a sessão possui audiodescrição. Os ingressos são retirados gratuitamente, uma hora antes de cada apresentação, na bilheteria da FUNARTE MG. +Info.: @mulhereemdanca.
O projeto Mulheres em Dança – Nos Rastros de Zuzu Angel é realizado com recursos da LMIC/2024 – Multilinguagens – Modalidade Fundo Municipal de Cultura e conta com o apoio do Programa Funarte Aberta 2025, Centro de Referência da Dança de Belo Horizonte – CRDançaBH e Espaço Cultural Suelly Freire.
“A história de Zuzu Angel não se restringe ao que nomeamos como passado, já que as violências e arbitrariedades que ela denunciou compõem a rotina de muitas mulheres, em diferentes tempos e contextos. Sabidamente, em nossa sociedade patriarcal, machista e misógina, mulheres enfrentam diferentes formas de violência, subalternização e opressão e buscam caminhos para subverter essa realidade. Como responsáveis por chefiar o lar, se deparam, muitas vezes sozinhas e em condições de desfavorecimento econômico, com um cotidiano de duros desafios”, diz a bailarina e uma das idealizadoras Márcia Fabiano Neves.
A parceira e bailarina Marise Dinis acrescenta: “Zuzu também nos instiga a pensar no que representam as práticas manuais, sejam elas o bordado, a costura, a tessitura, a customização e outras como procedimento feminino de subversão. Sua trajetória incita novas compreensões sobre o papel de salvaguardar a vida que, de várias maneiras, recai sobre diferentes mulheres e, em geral, está ligado a práticas de amorosidade, cuidado, invenção e cultivo de vínculos.Tantas se dispõem a colocar a própria segurança e integridade em risco, para enfrentar injustiças e hostilidades que ameaçam a elas e à sociedade como um todo. Dançar Zuzu Angel é, portanto, tecer uma história que se entrelaça também a outras histórias e costurar caminhos em direção à necessária transformação”, diz.
Nascida em Curvelo (MG), em 1921, a estilista e designer de moda brasileira, Zuleika Angel Jones, conhecida como Zuzu Angel, mudou-se algumas vezes para Belo Horizonte e para o estado da Bahia, até se consolidar no Rio de Janeiro, nas décadas de 60 e 70, em um mercado da moda ainda muito regido pelos homens. Com sua boutique localizada no Leblon, Zona sul carioca, ficou conhecida por sua ousadia e insubmissão em denunciar a arbitrária prisão, tortura e assassinato de seu filho, Stuart Angel Jones, durante a ditadura civil-militar no Brasil.
A artista, que antes da morte do filho, já era reconhecida por levar às passarelas de todo o mundo referências das chitas e cores da cultura nacional, transforma sua arte em instrumento de luta, e passa a bordar nos vestidos, imagens como pássaros enjaulados, canhões e tanques militares. Como uma espécie de Antígona brasileira, pagou com a própria morte e, somente em setembro de 2025, quase 50 anos depois, teve a certidão de óbito retificada como “morte violentamente causada pelo Estado brasileiro”.
O Processo
Desde 2022, Márcia e Marise, co-fundadoras do ajuntamento Mulheres em Dança, se dedicam a conhecer, de forma mais profunda, a vida e obra de Zuzu Angel. Durante esse tempo, chegaram a montar o espetáculo “Quem é essa mulher?”, solo de Márcia Neves. “Na época estávamos empenhadas em conhecer mais a fundo os acontecimentos que marcaram a trajetória de Zuzu. Agora, em ‘ZuZus’, nos interessa a relação ou até mesmo a correspondência entre a história da artista e a de tantas outras mulheres; além do legado inspirador que ela nos deixa, nos ensinando que no feminino, de diferentes maneiras, habita o sentido de resistência e superação”.
No espetáculo “ZuZus”, a pesquisa está focada em gestualidades que tentam traduzir a partir da dança, um universo de opressão e ausências que é decorrente da ditadura, mas que vai além, e que ainda hoje é duramente vivido em determinados contextos sociais no Brasil, em que o extermínio da juventude negra e das mulheres trans é algo cotidiano. “Na peça, não situamos esses contextos de forma explícita por se tratar de uma ficção, mas queremos dividir com o público essa consciência de que estamos partindo de Zuzu e sua luta para falar de algo que continua a acontecer no Brasil”, comenta Marise Dinis.
Em três meses de pesquisas e improvisações, as bailarinas levantam diversos materiais cênicos e, ao final, convidam a atriz e diretora Rita Clemente para orientar a dramaturgia: “Orientar também é dirigir, mas quando eu dirijo, procuro criar mais do que orientar a criação”, comenta a dramaturga.
Com a chegada de Rita, a movimentação em cena e os gestos ganham novas camadas de sentido. “Estamos circunscritas na dança, no movimento, na gestualidade, nosso campo de pesquisa e atuação. E Rita é uma mulher de teatro, com larga experiência como atriz e diretora, o que nos traz novas inquietações e provocações, e nos proporciona a oportunidade de renovar nossos modos de pensar e fazer”, conta Marise.
Além dos corpos das bailarinas, as peças de roupa que tomam o palco compondo o cenário, desempenham papel importante. Em cena, elas podem ser associadas diretamente à vida e obra de Zuzu, mas também ao contexto das faltas – os desaparecimentos, as mortes, as trocas de identidade.
O figurino do espetáculo, assinado por Ananda Sette, se refere à época, como as calças boca de sino de veludo cotelê, a blusa cacharrel, o vestido “linha A”, até roupas que fazem referência a profissionais metalúrgicos e peças mais fluidas e elegantes que representam mulheres empresárias que integraram o movimento de enfrentamento à ditadura civil militar, no Brasil.
Já as paletas adotadas abarcam o preto, o branco, o vermelho do sangue e da dor, o verde exército, o tom de ferrugem que se vincula ao encarceramento, a cor amarelada e envelhecida, que representa a memória que tentaram e tentam apagar. Também aparecem nas peças a costura, o remendo, o cerzido, linhas que pendem e imagens como o coração e o útero, símbolo da criação.
“Essas escolhas têm como inspiração as linguagens do fazer manual que compõem o universo de Zuzu e referenciam a elaboração estética de seu protesto, apesar de se distinguirem da delicadeza usada pela estilista. A ideia é remeter à capacidade de refazimento de mulheres que sofreram e sofrem diferentes abusos e violências, incluindo o silenciamento de sua criatividade, para além do período da ditadura civil-militar no Brasil”, comenta Ananda Sette.
Assim como o figurino, na dança a trilha também ocupa papel fundamental. Em “ZuZus” ela é assinada como trilha sonora original por DJ Black Josie – musicista e produtora musical, pesquisadora da soul music e sua reverberação na música brasileira. “Temos releituras de músicas da década de 70, que nos remetem a esse período, ou menções a canções que falam sobre censura. Black Josie propõe distorções nas melodias e ritmos, construindo uma paisagem sonora consistente que dá suporte à narrativa do espetáculo”, contextualiza a bailarina Marise Dinis.
Ficha Técnica
Concepção, criação e atuação:
Flavi Lopes, Gabriela Christófaro, Márcia Fabiano Neves, Marise Dinis.
Orientação dramatúrgica: Rita Clemente
Trilha sonora original: Dj Black Josie
Figurino: Ananda Sette
Iluminação: Flávia Mafra
Assessoria de imprensa: Beatriz França – Rizoma Comunicação & Arte
Produção executiva: Merry Couto
Design gráfico e publicidade: Mari Flecha
Fotografia e vídeo: Luísa Machala
Gestão financeira e prestação de contas: Renata Figueiredo
Gestão de produção: Mulheres em Dança
Acessibilidade: Vias Acessíveis
SERVIÇO
Estreia espetáculo “ZuZus”, na Funarte MG
18 e 19 de outubro de 2025
Terça-feira (sessão com audiodescrição) – às 20h
Quarta-feira – às 20h
Funarte MG – Galpão 4 (Rua Januária, 68 – Centro)
Gratuito – retirada de ingressos, na bilheteria do espaço, 1 hora antes da apresentação