STF impõe remoção automática de conteúdos e redes sociais são responsabilizadas sem ordem judicial.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que plataformas digitais devem remover imediatamente conteúdos considerados antidemocráticos, mesmo sem ordem judicial. A medida altera o regime de responsabilização previsto no Marco Civil da Internet e reacende o debate sobre liberdade de expressão e censura nas redes sociais.
Na quinta-feira, 26 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, por 8 votos a 3, uma tese de repercussão geral que modifica significativamente a aplicação do artigo 19 do Marco Civil da Internet. A decisão determina que plataformas digitais — como redes sociais, sites e serviços de mensageria — removam, de forma imediata, conteúdos classificados como “condutas antidemocráticas”, sob pena de responsabilização civil, mesmo na ausência de ordem judicial específica.
A nova diretriz, relatada pelo ministro Dias Toffoli, estabelece que empresas de tecnologia que atuam no Brasil devem agir de forma diligente para evitar a disseminação de conteúdos que atentem contra a democracia, promovam desinformação, discurso de ódio, racismo, homofobia, terrorismo, violência contra a mulher, pornografia infantil e induzimento ao suicídio.
Segundo a tese aprovada, “há falha sistêmica quando a plataforma deixa de adotar medidas eficazes de identificação e contenção de redes de distribuição artificial de conteúdo ilícito”, incluindo o uso de robôs e impulsionamentos pagos. Essa omissão pode gerar multa, indenização por danos e outras sanções, conforme apontado na sessão do STF.
Contexto jurídico e institucional
O artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), até então vigente, previa que provedores só poderiam ser responsabilizados por conteúdos de terceiros após o descumprimento de ordem judicial. Com a nova interpretação do STF, essa garantia foi parcialmente considerada inconstitucional. O tribunal argumentou que a redação atual não protegia adequadamente os “bens jurídicos constitucionais”, especialmente em cenários de ataques ao regime democrático.
A ministra Cármen Lúcia votou com a maioria, afirmando que “a liberdade de expressão não pode ser escudo para a destruição da própria democracia”. Já os ministros Nunes Marques, André Mendonça e Edson Fachin divergiram, alertando para o risco de censura prévia e violação ao devido processo legal.
Reações e repercussões
Especialistas ouvidos pela reportagem destacam que a decisão inaugura um novo paradigma de regulação digital no país. Para o jurista e professor de Direito Constitucional Pedro Serrano, a medida “busca proteger valores democráticos essenciais”, mas impõe às plataformas “um poder quase policial de julgamento sobre o que pode ou não circular na rede”.
Por outro lado, o advogado criminalista Rafael Tomazatti alerta que a aplicação imediata da remoção sem decisão judicial pode comprometer o direito à ampla defesa e gerar “censura algorítmica”, com impacto direto sobre o debate público.
Entidades da sociedade civil, como o Instituto Artigo 19 e a Coalizão Direitos na Rede, demonstraram preocupação com a extensão da decisão. Em nota conjunta, as organizações afirmam que “a ausência de critérios objetivos claros pode ampliar a margem de erro e a arbitrariedade, prejudicando a liberdade de expressão e o pluralismo político”.
O que muda para as plataformas e usuários
A partir da decisão, empresas como Meta, Google e X (antigo Twitter) devem adotar mecanismos automatizados e equipes de moderação proativas para identificar e suprimir rapidamente conteúdos considerados ilícitos. A responsabilização se estende também a gestores locais das plataformas no Brasil, que podem responder judicialmente por falhas sistêmicas.
Usuários, por sua vez, poderão ver postagens removidas sumariamente, sem aviso prévio ou direito à contestação imediata, o que levanta dúvidas sobre os limites da liberdade de opinião nas redes sociais. Ainda não está claro como será feita a classificação de “conduta antidemocrática” nem quais os parâmetros utilizados para definir conteúdo nocivo em tempo real.
Impacto global e desafios futuros
Analistas internacionais acompanham com atenção o caso brasileiro, considerado um dos mais amplos movimentos do Judiciário no mundo ocidental sobre moderação de conteúdo online. A decisão pode influenciar legislações de outros países que enfrentam dilemas similares entre liberdade digital e combate à desinformação.
O desafio agora é garantir que a implementação dessas novas diretrizes respeite princípios constitucionais, evite abusos e preserve o debate democrático. Como destacou o ministro André Mendonça em seu voto: “A democracia se protege com mais democracia, e não com censura”.
A decisão ainda deverá passar por desdobramentos jurídicos, inclusive possíveis questionamentos em cortes internacionais. Enquanto isso, as plataformas precisam se adequar imediatamente às novas exigências do STF, sob risco de sanções.
Serviço ao leitor: O que você precisa saber
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Postagens podem ser removidas automaticamente pelas plataformas, mesmo sem ordem judicial.
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Você pode recorrer, mas só depois da remoção.
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As redes podem ser multadas se não agirem com rapidez ou se houver “falha sistêmica”.
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A decisão já está em vigor e se aplica a todos os provedores com atuação no Brasil.