Haddad aponta culpados, mas arcabouço fiscal afunda com derrota no IOF
Relatório da Instituição Fiscal Independente do Senado projeta cenário crítico para as contas públicas: risco de paralisação da máquina estatal em 2026 e dívida de até 125% do PIB em 2035. Enquanto isso, o ministro da Fazenda busca culpados, mas evita revisar gastos.
A rejeição do aumento do IOF pelo Congresso evidencia a fragilidade do ajuste fiscal do governo. Enquanto o ministro Fernando Haddad, “atropelado”, relatório projeta paralisação da máquina pública em 2026.
A frágil estrutura fiscal do país começa a ceder sob o peso de promessas irrealistas, aumento de gastos e derrotas políticas. Um relatório alarmante da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, divulgado nesta semana, aponta que o arcabouço fiscal, apresentado pelo governo como alternativa “responsável” ao antigo teto de gastos, se tornou insustentável. O alerta é direto: sem mudanças estruturais, o Brasil pode enfrentar uma paralisação parcial da máquina pública em 2026 e atingir uma dívida pública de 125% do PIB em 2035.
O diagnóstico veio à tona no mesmo dia em que o Congresso derrubou o decreto que aumentaria o IOF — medida que o governo via como uma tábua de salvação para conter o avanço do déficit. Com isso, a equipe econômica liderada por Fernando Haddad perde mais uma batalha e vê o plano de ajuste fiscal ruir antes de sair do papel.
Elaborado por um corpo técnico independente, o relatório projeta déficits primários persistentes, com as contas públicas encerrando a década com rombos superiores a 2% do PIB. “O arcabouço foi desenhado para permitir mais gastos, com metas frouxas e pouco realismo político. Agora, os limites viraram ficção e o ajuste é adiado indefinidamente”, afirmou à reportagem um consultor legislativo envolvido na análise.
Risco de shutdown e armadilha fiscal
A IFI chama atenção para um possível “shutdown” da administração federal já em 2026, caso seja necessário um contingenciamento de R$ 75 bilhões para cumprir os limites do arcabouço. O risco é agravado pela vinculação automática de benefícios sociais ao salário mínimo, que pressiona o orçamento por meio de reajustes obrigatórios crescentes.
A medida, anunciada como ferramenta de proteção social, tornou-se uma armadilha fiscal, reduzindo drasticamente a flexibilidade do Executivo para gerir o orçamento.
Congresso impõe limite e Executivo recua
A derrubada do decreto do IOF na noite anterior acentuou o desgaste político do ministro da Fazenda. Haddad se diz “atropelado” internamente, mas a percepção no Congresso é que falta articulação, sobra improviso. Sem respaldo político para aprovar medidas arrecadatórias, e com resistência crescente a novos tributos, o governo assiste à erosão do seu discurso fiscalista.
“O governo apostou em aumentos pontuais de receita e perdeu. Agora precisa encarar o essencial: cortar gastos”, resume o economista Marcos Mendes, ex-assessor do Ministério da Fazenda e pesquisador do Insper.
Medidas impopulares ignoradas
A IFI aponta caminhos possíveis, como o corte de supersalários no Judiciário, redução de incentivos fiscais setoriais e limitação de emendas parlamentares. No entanto, nenhuma dessas propostas avançou — por inércia do Executivo e resistência do Legislativo. “Há um jogo de empurra entre os Poderes. O Congresso espera cortes do governo, e o governo espera reformas estruturais que não vêm”, afirma Felipe Salto, ex-diretor da IFI e atual economista-chefe da Warren Investimentos.
Segundo Salto, o cenário atual é de “simulação fiscal”, em que metas são estabelecidas com projeções irreais e ausência de medidas efetivas.
Dívida em escalada e risco de colapso
O relatório projeta que a dívida pública bruta pode ultrapassar 100% do PIB antes de 2030 e chegar a 125% até 2035, patamar semelhante ao de países em crise fiscal crônica. Hoje, a dívida já representa 76% do PIB. O avanço comprometerá a capacidade de financiamento do Estado, pressiona os juros e afugenta investimentos de longo prazo.
“O país pode entrar numa espiral de deterioração fiscal com reflexos diretos em inflação, câmbio e crescimento”, alerta Adriana Dupita, economista da Bloomberg Economics.
Credibilidade em queda
Nos bastidores, auxiliares do Ministério da Fazenda reconhecem que o plano fiscal de Haddad perdeu força política. A credibilidade do arcabouço — vendido como ponte entre responsabilidade e crescimento — foi corroída por improvisos, ausência de reformas e derrotas consecutivas no Congresso. A derrubada do IOF foi apenas a mais recente de uma série.
Serviço ao leitor – O que revela o relatório da IFI:
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Dívida pública pode atingir 125% do PIB até 2035
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Déficit primário persistente, acima de 2% do PIB
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Possível shutdown do governo federal em 2026
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Metas fiscais até 2029 são consideradas inatingíveis
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Reajustes automáticos de benefícios sociais pressionam o orçamento
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