SUPERSALÁRIOS, VIAGENS E MORDOMIAS PARA “ELES” E FILA PARA O POVO!
Mais de uma semana depois de amplas matérias em rede nacional sobre a vergonhosa fila do INSS, o órgão anunciou a criação de um comitê para redução da espera, mas, até o momento, não apresentou nenhuma providência concreta, explicação consistente ou justificativa razoável por parte do governo federal para um problema alarmante, que aprofunda a miséria e o abismo em que vive a população brasileira e alimenta o chamado “império da corrupção” em Brasília.
Brasileiros com câncer e outras doenças graves têm sido obrigados a contratar advogados para receber licença-saúde – um direito pelo qual pagam mensalmente, com descontos religiosamente lançados em seus contracheques. Em síntese: Lula prometeu acabar com a fila “vergonhosa” do INSS, mas ela dobrou – e ainda pode crescer.
Os números ajudam a dimensionar a crise. A fila de espera para o reconhecimento inicial de benefícios do INSS alcançou 2,862 milhões de pessoas, o maior patamar já registrado. São pedidos de aposentadorias, pensões, auxílio por incapacidade e Benefício de Prestação Continuada (BPC) que se acumulam mês a mês. De janeiro de 2025 até agora, o número de novos requerimentos cresceu 23%, com média de 1,3 milhão de pedidos mensais. Metade desse estoque refere-se a benefícios por incapacidade temporária.
O BPC, destinado a idosos e pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade, soma 897 mil pessoas na fila, que aguardam em média 193 dias por uma resposta. Desde junho, muitos processos estão parados em razão de decisão judicial que determinou novas regras para o cálculo da renda familiar, exigindo adaptações no sistema. Enquanto isso, famílias sem renda fixa esperam, na prática, por um mínimo de dignidade.
Atrás de cada número há histórias como a da assistente administrativa Danice Matheus de Oliveira, que, com problema grave de visão, pediu aposentadoria por invalidez em 2020. Quase cinco anos depois, o pedido continua “em análise” e ela já reúne tempo para se aposentar por contribuição. O relato ilustra a sensação de abandono de quem depende do benefício para sobreviver.
O próprio INSS reconhece a crise, mas atribui dois terços da fila a fatores externos à sua “governabilidade direta”, como falta de perícia médica federal, mudanças de regras e necessidade de atualização tecnológica, incluindo biometria e novos critérios de renda. A situação é mais crítica no Nordeste, e a autarquia anunciou que servidores de outras regiões serão mobilizados para reforçar a análise dos processos virtuais.
Em resposta à repercussão negativa, o presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, anunciou a criação de um comitê de gerenciamento da fila e a convocação de 500 novos médicos peritos aprovados em concurso. Ele afirma que “a grande maioria está aguardando perícia médica” e que a expectativa é de “resolver em breve” os casos mais antigos. No BPC, a promessa é ter o novo sistema de cálculo de renda plenamente operacional até o fim do ano.
Paralelamente, o governo passou a exigir biometria para novos pedidos de aposentadoria a partir desta sexta-feira (21). Para outros benefícios sociais – como auxílio por incapacidade temporária, pensão por morte, seguro-desemprego, abono salarial, Bolsa Família e salário-maternidade –, a obrigação do cadastro biométrico foi adiada para maio de 2026, sob o argumento de evitar exclusão de segurados sem acesso digital.
No Congresso, a fila virou tema de embate político. Para o deputado Sóstenes Cavalcante, “o Brasil está vivendo uma vergonha nacional”: 2,862 milhões de brasileiros “esquecidos na fila do INSS” e quase 900 mil à espera do BPC, “pessoas vulneráveis, doentes, idosas, esperando 193 dias por uma resposta que nunca chega”. Para ele, não se trata apenas de atraso, mas de “perversidade estatal”.
Especialistas em Previdência apontam que a crise atual resulta da combinação de duas escolhas equivocadas. A primeira foi a adoção do AtestMed, sistema que permitiu conceder benefício por incapacidade temporária apenas com o envio digital de atestados, sem perícia presencial. Embora apresentado como modernização para reduzir a fila, o modelo acabou estimulando pedidos que jamais seriam apresentados se permanecesse a exigência de exame médico.
O próprio ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto, hoje afastado e alvo de investigação, admitiu que a ideia era “abrir a porteira” dos requerimentos de auxílio-doença por ser, naquele momento, “mais barato” para o governo. Na prática, doenças que dependem de exame físico – lesões musculoesqueléticas, dores crônicas, problemas articulares – passaram a ser analisadas apenas por documentos, abrindo espaço para erros, distorções e fraudes.
Diante do aumento explosivo da demanda, o INSS recuou, reintroduzindo a perícia presencial em parte dos casos e encurtando a duração máxima dos benefícios concedidos via AtestMed. Mas a segunda perna da crise já estava instalada: a desestruturação da Perícia Médica Federal, marcada por falta de profissionais, conflitos com a gestão, perda de quadros e metas consideradas inalcançáveis pela categoria.
Reportes internos indicam que quase 1 milhão de processos aguardam exclusivamente perícia, enquanto cerca de 660 mil estão travados por problemas sistêmicos ligados à Dataprev. Apenas cerca de um terço da fila estaria, hoje, sob controle direto do INSS; o restante depende de outros órgãos, da própria perícia ou de ajustes de sistemas.
A situação se agrava com a suspensão, por falta de recursos, do programa de bônus criado para estimular a redução da fila de análise de benefícios. Sem pagamento extra por produtividade, a capacidade de resposta tende a cair ainda mais, justamente no momento em que o volume de processos está no auge.
Para o cidadão que aguarda uma resposta, os caminhos formais continuam sendo o aplicativo ou o site Meu INSS (com login gov.br) e o telefone 135. Diante de atrasos prolongados, especialistas recomendam registrar reclamação na ouvidoria da autarquia, acionar a Defensoria Pública da União ou buscar orientação jurídica para eventual ação judicial, especialmente em casos de doença grave ou ausência total de renda.
Uma semana após a exposição em rede nacional da fila de quase 3 milhões de pessoas, a promessa de um comitê e de futuras contratações ainda não se traduziu, na prática, em queda do estoque nem em alívio para quem espera. Enquanto isso, o contraste com salários e privilégios do topo do serviço público – que permanecem intocados – alimenta a percepção de que o sistema previdenciário cobra caro dos mais pobres, mas entrega pouco em retorno.