IOF na previdência

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IOF na previdência acende debate sobre “fúria arrecadatória” do governo

A escalada do IOF sobre planos de previdência privada, adotada pelo governo Lula em 2025, virou símbolo daquilo que entidades do setor chamam de “fúria arrecadatória” da União. O imposto, concebido originalmente como instrumento regulatório de operações financeiras, passou a pesar no bolso de quem busca uma alternativa ao INSS — justamente num país em que filas, perícias atrasadas e crédito consignado caro já comprometem a confiança na proteção previdenciária estatal.

Na edição anterior, este jornal mostrou como a demora na concessão de benefícios do INSS e a oferta agressiva de empréstimos consignados empurram aposentados e trabalhadores para situações de endividamento e insegurança. A previdência complementar aparecia como rota de fuga: um mecanismo privado, de longo prazo, capaz de reduzir a dependência do sistema público. As mudanças recentes no IOF, porém, atingiram esse caminho em cheio.

Segundo o presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg), Dyogo Oliveira, a alta do IOF sobre operações ligadas à previdência complementar já provocou, em 2025, uma queda de cerca de 25% nos aportes, o que representa algo em torno de R$ 50 bilhões a menos aplicados em planos de longo prazo. A retração foi tão expressiva que a projeção de crescimento do mercado segurador, que era de 10,1% ao fim de 2024, foi revista para apenas 1,9%, em grande parte por causa da tributação sobre planos no regime VGBL e de cortes em subvenções ao seguro rural.

O impacto não se limita a quem foi diretamente tributado. Oliveira relata que muitos clientes resgataram recursos ou suspenderam contribuições simplesmente por medo, diante de informações desencontradas sobre quem seria afetado. “A comunicação ficou truncada e as pessoas, receosas”, admitiu em entrevista. Na prática, até investidores que não seriam atingidos pelo novo IOF recuaram, temendo futuras mudanças ou novas surpresas tributárias.

No centro da polêmica está a natureza do IOF. Previsto na Constituição como imposto sobre operações de crédito, câmbio, seguro e títulos, ele é classificado por tributaristas como tributo de caráter extrafiscal — ou seja, sua função principal deveria ser regular comportamentos econômicos, desestimulando ou estimulando determinados movimentos do mercado. Ao elevar a carga sobre produtos previdenciários, contudo, o governo é acusado por especialistas e entidades de usar o IOF como mero instrumento de arrecadação, para ajudar a fechar as contas públicas e cumprir metas fiscais, em vez de como ferramenta de política econômica.

Essa crítica se intensifica num cenário de sucessivas medidas de aumento de receita, revisão de benefícios e endurecimento de fiscalização. Para representantes do setor segurador, previdenciário e de planejamento financeiro, taxar com mais força justamente produtos de longo prazo — desenhados para formar poupança, complementar aposentadorias e reduzir a pressão futura sobre o INSS — vai na direção oposta do discurso oficial de incentivo à poupança interna e ao investimento produtivo.

Do ponto de vista macroeconômico, o recuo de R$ 50 bilhões em aportes não é trivial. Em regimes de previdência complementar, esses recursos costumam ser canalizados para títulos públicos, infraestrutura, crédito corporativo e outras aplicações de longo prazo, ajudando a financiar o Estado e o setor produtivo. Quando o investidor se retrai, a economia perde uma fonte relevante de financiamento estável, e o país vê encolher um dos pilares de sua poupança interna.

No plano individual, o efeito se traduz em insegurança. Muitos contribuintes, assustados com a possibilidade de novas mudanças tributárias, optaram por adiar aportes ou migrar para produtos considerados mais simples, ainda que menos eficientes para a aposentadoria. Consultores financeiros relatam aumento na procura por explicações sobre IOF, regimes tributários e alternativas de investimento. A falta de previsibilidade, apontam, é hoje um dos maiores inimigos da educação financeira e da cultura de poupança de longo prazo.

Do lado do governo federal, a estratégia tem outra leitura. Em meio a um quadro de forte pressão sobre o orçamento, necessidade de sustentar programas sociais e compromisso com metas do novo arcabouço fiscal, a equipe econômica vem apostando na combinação entre corte de despesas, revisão de renúncias e aumento da arrecadação. Mudanças em tributos de rápida calibragem — como o IOF, que pode ser ajustado por decreto — acabam ganhando protagonismo, por oferecerem efeito imediato na receita.

O problema, apontam especialistas ouvidos pelo setor, é o custo dessa opção em termos de segurança jurídica. Mudanças bruscas, pouco explicadas e com impacto direto sobre contratos de longo prazo, como os de previdência complementar, reforçam a percepção de instabilidade regulatória e tornam o planejamento financeiro mais arriscado. “Segurança jurídica é fundamental para o crescimento do país”, resumiu Dyogo Oliveira, ao comentar a reação dos investidores e a necessidade de previsibilidade nas regras.

Para o leitor, consumidor de produtos previdenciários ou interessado em começar a investir, alguns cuidados são essenciais. Antes de resgatar o plano ou suspender aportes por medo, é importante confirmar, com a própria seguradora ou com o banco, se o contrato específico foi de fato afetado pelas novas regras do IOF — e em que medida. Em muitos casos, o impacto recai sobre operações pontuais, enquanto a lógica de longo prazo do produto permanece vantajosa em relação a deixar o dinheiro parado ou sem planejamento.

Também é recomendável comparar o efeito da tributação adicional ao benefício potencial de manter uma reserva previdenciária que, no futuro, poderá complementar o INSS ou reduzir a dependência da máquina pública. Especialistas em finanças pessoais lembram que, embora a carga tributária seja fator relevante, decisões de aposentadoria devem considerar horizonte de décadas, e não apenas o efeito de uma mudança pontual de imposto.

Na outra ponta, entidades do mercado e associações de investidores defendem que o debate sobre o IOF vá além da previdência privada e se estenda ao modelo de política tributária adotado no país. A pergunta central, dizem, é até que ponto o uso recorrente de tributos regulatórios para reforçar o caixa da União, em um ambiente já marcado por alta carga tributária e burocracia, não acaba comprometendo a própria base de arrecadação no médio e longo prazos, ao desestimular poupança, investimento e formalização.

Enquanto esse debate não avança no Congresso e no Executivo, a realidade é que a previdência privada, apontada como uma das principais alternativas à sobrecarga do INSS, entrou no radar da disputa entre necessidade de arrecadar e preocupação com a previsibilidade das regras. Para o cidadão comum, a mensagem é clara: mais do que nunca, será preciso acompanhar de perto as mudanças tributárias, buscar informação qualificada e planejar com cuidado cada decisão de longo prazo.

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