Exploração ilegal de minério modifica cenário e impacta comunidades na Serra do Curral
Em visita à área da mineradora Gute Sicht, nesta quinta (30), Comissão de Meio Ambiente ouviu moradores, ambientalistas e Ministério Público. Numa estrada de terra entre Belo Horizonte e Sabará, grandes pilhas de entulho no acostamento e a paisagem de montanhas corroídas já sinalizam o estado de abandono e devastação do local. O cenário compõe um pedaço da Serra do Curral, na Região Metropolitana da Capital, após ser submetida à mineração ilegal empreendida pela empresa Gute Sicht, alvo da Operação Rejeito da Polícia Federal.
A área de operação da mineradora foi visitada, nesta quinta-feira (30/10/25), pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), com a presença de representantes das comunidades atingidas, ambientalistas, da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) e do Ministério Público Federal (MPF).
Até a suspensão das atividades da Gute Sicht pela Justiça Federal, em 2023, moradores daquela área relatam que foram obrigados a conviver com explosões, poeira de minério e a presença constante de caminhões pesados da mineradora, que atuava sem licenciamento ambiental.
“A gente varria o chão da casa e passava o pano, saía aquele pó de minério brilhoso, sabe?”, recorda Marcelo Couto, morador da comunidade Terra Nossa, no bairro Taquaril, vizinha da área explorada pela Gute Sicht. “De manhã cedinho vinha a explosão de dinamite, e depois à tarde, à noite”, continua. “Isso aqui parecia a BR-381, de tanto caminhão que tinha”, disse, apontando a pequena estrada de terra que dá acesso à sua comunidade.
Ele conta ainda de algumas casas que tiveram suas estruturas trincadas devido à trepidação causada pela passagem dos veículos pesados, além do atropelamento de uma criança por um dos caminhões. “A comunidade nunca vai ver nem os juros do dinheiro dessa empresa. Ela deixou o lugar à mercê da sorte”, lamenta Marcelo. Anderson Rodrigues, morador da mesma comunidade, lembra que, antes da chegada da Gute Sicht, existia uma variedade de vegetação local que era utilizada pela população: “Aí tinha pé de araçá, murici, caju. Hoje você anda e não tem nada”. Ele relatou também prejuízos ao lazer das pessoas, uma vez que a cerca colocada para limitar a área de exploração fechou o acesso a trilhas de passeio e a um campinho de futebol.
Danos ao patrimônio histórico da Serra da Curral foram apontados pela deputada Bella Gonçalves (Psol), da Comissão de Meio Ambiente, responsável por solicitar a visita. A parlamentar relatou a destruição de parte de um muro de pedras de mais de 2 quilômetros de extensão. Construído por pessoas escravizadas, a antiga estrutura é objeto de estudos arqueológicos e sua origem remonta aos primórdios da Capital mineira.
Exploração ilegal com autorização do Estado
Jeanine Oliveira, moradora do Taquaril e representante do Movimento Mexeu com a Serra, Mexeu Comigo, lembra que o início da operação da Gute Sicht foi percebido pelos moradores no ano de 2020.
“Eu estava fazendo uma trilha, vi um caminhão passando e a comunidade começou a reclamar de barulho. Então a gente começou a fazer registro fotográfico e pegar as provas que a gente tinha de como era antes”, recorda a ativista, responsável por formalizar, com apoio do Projeto Manuelzão, diversas denúncias sobre a situação.
Segundo relatos de participantes da visita técnica, os primeiros caminhões a chegarem na área explorada pela Gute Sicht pertenciam à empresa Valeforte e realizavam apenas serviço de terraplanagem, operação que, segundo a legislação, dispensa o licenciamento ambiental. Com o tempo, contudo, a mineradora, ainda sem licenciamento, passou a realizar de forma ilegal a extração de minério.
Conforme lembra a deputada Bella Gonçalves, diante da situação irregular, o Governo de Minas Gerais firmou com a Gute Sicht um termo de ajuste de conduta (TAC), autorizando a atividade minerária. O termo firmado faz parte das investigações da Operação Rejeito.
“Como foi feito um TAC e não um licenciamento de verdade, não houve estudos de impacto ou de vizinhança. Eles puderam fazer explosões e passar com os caminhões, tudo muito próximo da comunidade”, denunciou a parlamentar.
Para Wallace Alves de Oliveira Silva, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Meio Ambiente no Estado de Minas Gerais (Sindsema), a autorização para mineração via TAC é “a ilegalidade sendo permitida dentro da norma, de maneira antiética e imoral”. O sindicalista acredita que o instrumento permite que mineradoras atuem “goela abaixo da população e fora do rito normal de análise científica”.
Bella Gonçalves salientou que tramita na ALMG o Projeto de Lei (PL) 228/23, para proibir no Estado atividades minerárias autorizadas por meio de termos de ajuste de conduta. A proposição, de autoria da deputada e de outros 11 parlamentares, aguarda análise da Comissão de Minas e Energia.
Responsabilização da mineradora
Presente na visita técnica, o procurador da república do MPF Eduardo Henrique de Almeida Aguiar tratou das possíveis responsabilizações cabíveis à mineradora Gute Sicht. Ele explicou que existem três esferas de responsabilização: administrativa, civil e criminal. Segundo o procurador, na esfera administrativa, a empresa já foi alvo de diversos autos de infração, por órgãos estaduais e municipais de meio ambiente. Já a responsabilização civil envolve o processo de reparação dos danos causados e de compensação daqueles impactos que não podem ser reparados.
Para Eduardo Henrique, “a compensação tem que envolver a sociedade, a comunidade, porque eles sabem o que é preciso compensar para que seja possível dar um retorno melhor”. Ele acredita que a garantia da participação social no processo de reparação dos danos causados pela Gute Sicht poderia ser um caminho de trabalho conjunto entre as instituições de justiça e a ALMG.
Por fim, o procurador ressaltou as Operações Rejeito e Poeira Vermelha como processos em andamento para a responsabilização criminal. O representante do MPF relatou que, embora tenham ganhado destaque na mídia somente em setembro deste ano, as investigações tiveram início há mais de 5 anos, revelando o que ele chamou de “uma verdadeira teia de empresas de fachada, de pessoas ligadas à mineração com o intuito de lavagem de dinheiro e também participação em mineração ilegal”.
Ele informou ainda que a Operação Rejeito segue agora sob responsabilidade do Supremo Tribunal Federal (STF), após a constatação de envolvimento de pessoas com foro privilegiado no esquema de corrupção.