O Pix pode acabar com a concorrência desleal no mercado de apostas
Por Marcelo Bueno
Passaram-se seis meses desde que o mercado de apostas foi regulamentado no Brasil, um marco que estruturou bases importantíssimas. Mais do que relevante, este passo era necessário, considerando os 23 milhões de brasileiros que apostaram em 2024, cerca de 15% da população, segundo a Anbima. Embora tenhamos dado primeiros passos importantes, saudáveis e bem-sucedidos, regulamentar não significa acabar com todos os problemas, e o nosso país enfrenta desafios práticos para comemorar um ambiente verdadeiramente saudável — para empresas, consumidores e governo.
Enquanto a Lei nº 14.790, sancionada em 2023, criou caminhos para operadores e provedores atuarem com transparência e responsabilidade, investindo tecnologia e recursos para estar dentro do escopo legal, estima-se que metade do mercado ainda opere fora do radar. Em tempos de orçamento justo e novos impostos sendo criados, o Ministério da Fazenda não deveria fechar os olhos para 50% do R$ 1,866 bilhão que pode ser retornado para os cofres públicos em tributos… a cada ano!
Falando em impostos, em junho, o setor, assim como vários outros da economia brasileira, também teve sua base tributária elevada, de 12% para 18% sobre o faturamento — um duro impacto para qualquer setor maduro da economia, mas e para empresas com planos de negócios tão recentes? É oportuno lembrar que, para atuar no mercado brasileiro regulado, cada uma das até agora pouco mais de 80 casas de apostas investiram R$ 30 milhões em uma licença específica estabelecida pelo Ministério da Fazenda para desencorajar aventureiros e empresas fraudulentas.
Neste ano, já vemos os operadores de apostas legalizados trabalhando sob as mais rígidas regras de PLD/FT, publicidade, compliance, com sistemas certificados e transmitindo para o Governo informações atuais; além de estarem trabalhando apenas com meios de pagamentos autorizados e fiscalizados pelo Banco Central. Ao mesmo tempo em que os sites ilegais continuam atuando às margens da lei, lesando apostadores, sociedade e gerando mais notícias ruins sobre o mercado como um todo.
Seria injusto cobrar um mercado “pronto” em seis meses de operação. Contudo, a tecnologia avança, e o Brasil já é referência global em tecnologia financeira. Esse ponto é muito importante, porque o dinheiro em espécie não circula neste mercado. Uma vez que sabiamente é proibido o uso de cartões de crédito por apostadores, o PIX é o método de pagamento por onde praticamente todas as contas em sites de apostas são abastecidas.
Sendo o sistema de pagamentos instantâneos gerido pelo Banco Central dotado de dados suficientes para rastrear transações e identificar irregularidades, por que, ao invés de concentrarmos esforços em monitorar centenas, ou milhares de sites ilegais, que se renovam a cada esforço de fechá-los, nosso país não promove iniciativas de colaboração com as poucas dezenas de meios de pagamento que movimentam os valores deste mercado?
E é aí que o jogo muda. O Brasil possui uma situação ímpar, que se traduz numa grande vantagem frente a outros países que, apesar de serem mais maduros no mercado de jogos e apostas, ainda enfrentam grandes dificuldades na fiscalização. O PIX é instantâneo, rastreável e permite uma série de controles sistêmicos que nenhum outro meio de pagamentos possui. E estamos falando de um sistema que já tem significativos controles implementados, como: identificação de conta de origem da aposta e de pagamento de prêmios, que devem ser pré-cadastradas no mesmo nome e CPF do apostador; identificação e impedimento, na origem, de conta de menores de idade; verificação de validade do CPF perante a Receita Federal, ou seja, se o suposto apostador já morreu ou possui outra restrição; dentre outros.
Como paralelo, veja o Reino Unido: Visa e Mastercard prometeram em 2014 bloquear cartões para casas de apostas sem licença. No entanto, apuração do The Guardian (mar/2025) mostrou pagamentos ainda ativos a nove sites ilegais, com perdas de até £ 200 mil por apostador. A fragilidade desse modelo britânico realça a vantagem brasileira de um único trilho rastreável, o PIX. Isto já foi notado pelo mundo.
Nesta linha, uma iniciativa sem precedentes no mercado global está sendo liderada pelos provedores de pagamento do Brasil em conjunto com a International Betting Integrity Association (IBIA), associação que reúne 70 empresas e 140 marcas que geram um faturamento anual de mais de US$ 300 bilhões em apostas em todo o mundo. Como nenhum outro país teve um caso de sucesso tão grande com um sistema como o PIX, a associação voltou as atenções para cá, criando um fórum não com as bets, mas com membros que operam mais de 70% da receita bruta legalizada dos jogos e apostas no Brasil.
Com governança, rastreabilidade e integridade, as instituições de pagamento querem ser parceiras estratégicas não apenas do regulador, mas também de órgãos judiciais, querem colaborar com o fim da concorrência desleal. Mais que ter regras, é fundamental que governo, operadores e fiscalizadores atuem juntos para garantir um mercado justo, confiável e sustentável. Fiscalização rigorosa e proteção ao apostador são essenciais para fortalecer o ambiente de apostas brasileiro, gerar valor e assegurar confiança. Agora é hora de avançar para um mercado maduro e equilibrado, que funcione para todos.
Marcelo Bueno M. Carneiro é Diretor Jurídico e de Riscos do Z.ro Bank e Co-Presidente no Fórum de Provedores de Pagamentos da IBIA